COSTUMES BÍBLICOS: O PROFETA QUE BATIZAVA


O PROFETA QUE BATIZAVA

A MENSAGEM DE JOÃO BATISTA

A presença de João Batista às margens do rio Jordão, durante seu ministério profético, não teve, pois, com semelhantes perspectivas, nada de desconcertante. Ao contrário, até podemos julgar sem aparecimento como uma atitude providencial. O silêncio de Deus, por fim, cessara. O povo eleito agora ouvira uma daquelas grandes vozes familiares e terríveis. Quem sabe não seria ele o próprio Messias?
Assim, quando se difundiu por Jerusalém o rumor de sua estranha pregação, os príncipes dos sacerdotes, conforme eram chamados, enviaram uma comissão oficial de investigação. A comissão era composta de sacerdotes e levitas, gente competente. A primeira pergunta que fizeram a João, ele a respondeu com sua habitual franqueza. Pergunta: "És o Messias?" A resposta dele foi: "Não, não sou" (ver Jo 1.20).
Desde o tempo do profeta Amós, todo israelita instruído sabia o seguinte: Certamente o Senhor DEUS não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas (Am 3.7). E, levando-se em conta que Malaquias profetizou que o Messias seria precedido por um precursor, seria João pelo menos esse "arauto" das glórias divinas, esse novo Elias prometido?
E perguntaram-lhe: Então quê? És tu Elias? E disse: Não sou. És tu profeta? E respondeu: Não.
Disseram-lhe pois: Quem és? para que demos resposta àqueles que nos enviaram; que dizes de ti mesmo? Disse: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías. (Jo 1:21-23)
Sem dúvida, havia em João a força e o espírito de Elias (Lc 1.17), mas ele não era antigo profeta de volta à terra outra vez. E João Batista continuou:
Respondeu João a todos, dizendo: Eu, na verdade, batizo-vos com água, mas eis que vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar a correia das alparcas; esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. (Lc 3:16)
Será que o povo judeu estava capacitado a compreender o ensinamento que João pregava? Será que o povo estava consciente da necessidade do arrependimento e da urgência de se obter ou de produzir frutos dignos de arrependimento? Como reagia ao saber que João Batista impunha aos seus discípulos muito jejum e oração? (Lc 5.33)
A tradição profética estava sendo respeitada, porque Isaías, Jeremias, Amós, Oséias, entre vários outros, tinham falado com voz semelhante. Para manter um povo no caminho reto, tais exortações nunca eram demasiadas, por mais que repetidas fossem. Inclusive, essas alusões, multiplicadas por João, quanto a uma ameaça indefinível, porém urgente, essa referência a uma catástrofe prestes a abater-se sobre Israel, não soavam estranho à comunidade judaica, pois desde o exílio, o judeu havia aprendido a sofrer, e para isso se preparava todos os dias. Toda a literatura apocalíptica baseia-se naquelas visões de pânico. João Batista mantinha-se nessa mesma linha, que unia as preocupações da moral pessoal com as do destino nacional.
João também ensinava o amor, a justiça, a doçura. Quando lhe perguntavam o que fazer, ele respondia: Quem tiver duas túnicas, que reparta com o que não tem, e quem tiver alimentos, que faça da mesma maneira (Lc 3.11).
Aos coletores de impostos e outras pessoas desta espécie, ele ordenava: Não peçais mais do que aquilo que vos está ordenado 9v.13). Aos soldados, ele aconselhava: A ninguém trateis mal, nem defraudeis e contentai-vos com o vosso soldo (v.14).
Tais conselhos faziam parte da tradição judaica, pois os códigos mosaicos impunham o dever de deixar a espiga aos pobres no campo durante a sega (veja o exemplo em RUTE), doar a própria túnica ao devedor miserável para que este não passasse frio, e até mesmo ajudar o burro do inimigo se este caísse em um buraco. Certo rabi chegou a declarar que a falta contra o amor era muito mais grave do que a própria idolatria.
Contudo, em outros aspectos, quão decepcionante era o novo profeta! Em nenhum momento, anunciara que aquele Messias, de quem ele dizia ser o precursor, havia de recuperar para Israel a sua glória e o seu poder. Pior ainda: João não reservava, em absoluto, seu ensinamento aos judeus de pura linhagem, às pessoas honradas que haviam meditado sobre a lei. Encontravam-se ao redor do profeta publicanos declarados, soldados e até pagãos. E João ousava dizer ao povo eleito: Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento e não comeceis a dizer em vós mesmos: Temos Abraão por pai, porque eu vos digo que até destas pedras pode Deus suscitar filhos a Abraão (Lc 3.8). Estas palavras, com as quais ele antecipava o universalismo da mensagem de Jesus, eram recebidas como insulto por todas as pessoas religiosas em Israel.

O PROFETA QUE BATIZAVA

Rio Jordão, em um trecho onde suas margens são
extremamente férteis.
Além dessas coisas, João batizava. Era justamente esta a marca de seu ministério. Quem, dali por diante, quisesse comprometer-se a seguir o caminho que João apontava deveria entrar na água e ser batizado por ele. Que ritual estranho! Talvez o próprio fato e aquilo ser uma coisa desconhecida e rara tenha atraído as multidões, primeiro para as margens do Jordão, depois, quando sobreveio o calor, mais para cima, para a região de Citópolis, onde havia as famosas "Fontes da Paz".
Todavia, aquele ritual não era estranho à tradições antigas, em especial às israelitas. Era um rito tão antigo que os rabinos discutiam se uma espécie de batismo que assinalava a iniciação dos prosélitos de origem pagã nas comunidades judaicas datava de antes ou de depois do exílio. Os judeus conheciam muitas abluções desse gênero rigorosamente respeitadas, conforme os livros de Levítico e de Números. Em certos dias, sobretudo para os funcionários do Templo, o banho ritual, o mikweh, multiplicava-se ao compasso das bênçãos. Inclusive, para o Dia da Expiação, o sumo sacerdote, em nome do povo, devia tomar dez banhos de modo solene.
As seitas essênias tomavam o banho cotidiano às margens do Jordão. E, ainda hoje, adeptos dos cultos antigos, que praticam diariamente o velho ritual judaico de tomar banho no rio, podem ser vistos ali. Mas, até o aparecimento de João Batista, aquilo era apenas um ritual, nada mais. Aliás, um ritual bastante parecido com o existente na religião egípcia de Ísis, o qual levou o poeta satírico romano Juvenal a zombar dessa deusa que, segundo ele, em pleno inverno ia banhar-se três vezes nas águas geladas de um rio, por "certamente ter pecados terríveis para lavar".
Certamente com a imagem da água que lava o corpo leva a pensar naturalmente na purificação da alma, é compreensível que, em muitos casos, o banho tivesse esse valor simbólico. No Antigo Testamento, lemos: Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos e cessai de fazer mal (Is 1.16). E, pela boca de Ezequiel, o Senhor havia profetizado: Então,espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todos as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei (Ez 36.25).

O SIGNIFICADO DO BATISMO DE JOÃO

O batismo de João não era diferente. Somente o fato de ele mesmo assistir e batizar fazia que seu batismo não fosse igual aos banhos costumeiros nas águas dos rios. Não sabemos porém, como João realizava esse batismo. Podemos acreditar que o novo convertido cumprisse o ritual por imersão. Somente a partir do século 14 de nossa era foi que, ao representar o batismo, a arte mostrou João derramando água com uma vasilha, ou uma concha, sobre a cabeça de Jesus. Mas Ele foi batizado por imersão (Mt 3.16).
Qual era o papel exato desempenhado pelo próprio João Batista durante o batismo? Será que ele fazia uma pregação ou dizia algumas palavras de poder? Ou, ainda, fazia alguma invocação ao nome de Deus? Ignoramos. Mas certamente a intenção de João Batista não era idêntica à do judeu que fazia suas abluções.
Aquele batismo era um "banho de arrependimento", ou seja, era o sinal, a marca visível de uma declarada vontade de mudar de vida. E nada mais. Mas isso já era algo enorme.
A ablução ritual mosaica não era mais do que uma purificação legal antes de se realizar um ato religioso. Entre os fariseus, o ritual valia por si mesmo, sem que houvesse a intenção espiritual. Mas o ensinamento de João Batista estava ligado a uma transformação moral completa. Entrar na água era declarar que a pessoa se arrependera de seus pecados.
Como tudo indica, aquele batismo só era realizado uma única vez, com iniciação a uma vida inteiramente nova. O batismo de João era, pois, inteiramente pessoal. E as investigações realizadas para descobrir suas origens não têm levado a nenhum resultado conclusivo. Às vezes, sustenta-se a hipótese de que João Batista tivesse sido membro da seita dos essênios e que foi deles que João extraiu a ´deia do batismo. Porém, além de não haver nenhuma prova da ligação de João Batista com a comunidade essênia, nada indica que  o batismo tivesse na mesma seita outra significação do que o simbolismo legal.
Logo, se João Batista, batizando às margens do Jordão, revestiu aquele ritual simbólico de sua ampla significação, isto equivale a dizer que ele inventou esse novo conceito. Mas a verdade é que o anunciador de Jesus simplesmente representou seu papel de apontar o caminho; porém, não traçou por inteiro.
O batismo que João ministrava era imperfeito. Quando, mais tarde, o apóstolo Paulo encontrou, em Éfeso, algumas pessoas de boa vontade que haviam somente sido iniciadas na batismo de João (At 19.2-3), ele ministrou a essas pessoas o batismo de Cristo [com o Espírito Santo] como algo mais eficaz.
O próprio João sabia que o seu batismo era imperfeito, pois foi ele mesmo quem afirmou: Respondeu João a todos, dizendo: Eu, na verdade, batizo-vos com água, mas eis que vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar a correia das alparcas; esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. (Lc 3:16)
A importância do ministério de João Batista, que foi glorioso e modesto mensageiro do Altíssimo, foi resumida pelo evangelista João em quatro versículos decisivos:
Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João.
Este veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele.
Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz.
Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo. (Jo 1:6-9)


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Filipenses 1:9-11

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