Quanto ao antigo burgo, situado próximo à margem ocidental do lago, na planície de Genesaré, e no caminho entre Cafarnaum (ao norte) e Tiberíades (ao sul), destacava-se então por sua beleza e por sua riqueza, que lhe eram pronunciadas por suas tinturarias e fábricas de lãs finas,
el Medjdel, que hoje não é mais do que um pobre vilarejo, composto de vintenas de miseráveis cabanas, onde se abrigam os poucos habitantes da região, tão povoada e fértil em tempos passados.
Ao nome de Maria Madalena, Lucas acrescenta outra circunstância distinta, mas de dolorosa lembrança: da qual saíram sete demônios (Lc 8.2b). Levados pela opinião de que esta Maria não é outra senão a pecadora da comovente cena que acaba de descrever o próprio evangelista, muitos têm conferido a estas palavras uma interpretação simbólica, como se indicassem uma vida tristemente entregue a todos os tipos de vícios. Mas o contexto, por si só, demonstra que as palavras citadas se referem a uma possessão demoníaca real, pois na linha anterior é dito que várias mulheres devotas que seguiam Jesus em suas andanças missionárias haviam sido libertas por ele dos espíritos malignos.
Nenhuma razão há para que o seu sentido seja trocado.
Ao mencionar o fato geral, o evangelista cita também um fato em particular e extraordinário: Maria Madalena esteve em poder de sete demônios, simultaneamente. Logo tratará de outras possessões múltiplas. Mais adiante, veremos também o caso dos endemoninhados de Gadara.
Marcos aponta Madalena com o mesmo problema (Mc 16.9). Devemos lembrar que a possessão demoníaca não era forçosa nem comumente um castigo de pecados anteriores. Também nota-se aqui que Lucas apresenta Maria Madalena como um personagem novo aos leitores, sem estabelecer a mínima relação entre ela e a pecadora de que acabava de falar. Ao que parece, como já temos dito, ele queria, intencionalmente, não fazer ruídos em torno do nome dela.
Junto a Maria Madalena, Lucas fala de Joana e de Suzana. Esta última, cujo nome hebreu, Shoshannah, significa lírio, não aparece em nenhum outro lugar do evangelho.
Mais tarde, encontramos Joana entre as santas mulheres que permaneceram fiéis ao Divino Mestre, mesmo depois que Jesus morreu (Lc 24.10). Ela era casada, diz o evangelista, com Cusa, um intendente (a palavra grega que denota sua função pode ser interpretada de várias maneiras: tesoureiro, mordomo, administrador dos bens etc.) do tetrarca Herodes Antipas. Nada indica que tenha ficado viúva, como alguns têm conjecturado.
Contudo, não eram somente estas três mulheres piedosas que seguiam a Jesus. Outras várias, em número considerável, desfrutaram da mesma honra e da mesma alegria. Podemos contemplar a curta lista de Lucas com o nome de outra Maria, a mãe de Tiago, o Menor, e de José, bem como o de Salomé, mãe dos filhos de Zebedeu, a quem os outros dois evangelhos sinópticos (Mt 27.56,61; Lc 15.40,41,47) assinalam expressamente entre
as que seguiam e serviam a Jesus na Galileia. E Lucas usa termos semelhantes para expressar o serviço delas, mas com a diferença: para indicar melhor o significado da palavra serviam, acrescenta aos cuidados maternais ou fraternais com os quais as santas mulheres rodeavam com tanto respeito e afeto Jesus e os apóstolos uma assistência material de natureza financeira, que providencialmente facilitava ao Salvador o exercício do seu ministério.
Algumas mulheres eram ricas, e, graças à sua incansável generosidade, a bolsa comum de Jesus e dos seus, mencionada por João (12.6; 13.29), raras vezes deve ter ficado vazia, pois fora os gastos diários de treze pessoas, o grupo dos apóstolos ofertava aos pobres (Jo 13.29). Certo é que este grupo, que levava uma vida simples, abnegada, tinha poucas necessidades; quando menos, precisavam tão-somente de alimentos enquanto durassem as viagens de pregação de Jesus Cristo.
Quando Jesus perguntou aos apóstolos, depois da última ceia, faltou-vos porventura alguma coisa? (Lc 22.35), pode-se dizer que o mérito da resposta negativa que ouviu dos seus amigos mais próximos foi, em parte, devido à hospitalidade oriental, porém mais ainda por causa daquelas mulheres devotas, cujos generosos serviços, realizados com habilidade, Lucas nos ajuda a conhecer.
Certo é que a natureza e a origem das resoluções pecuniárias usadas por Jesus durante sua vida pública são coisas extremamente secundárias. Mas nem por isso este tema deixa de ser interessante, visto que Cristo, para dedicar-se plenamente à fundação da Sua Igreja, havia deixado seu ofício de artesão (carpintaria), e o mesmo fizeram os apóstolos, ao renunciarem, cada qual, à sua profissão para que pudessem prestar sua humilde cooperação a Cristo. Por sorte, aquelas mulheres, que haviam recebido plenos benefícios espirituais, puderam suprir necessidades temporais de Jesus e dos apóstolos.
Não é uma situação totalmente nova, porque o costume permitia às mulheres judias prover aos doutores da lei o que lhes fosse preciso para o seu sustento, e elas gostavam de manifestar sua piedade desta forma (Mt 27.58). O Talmude, por sua vez, incentivava esta prática tão útil como excelente: "Qualquer que recebe em sua casa um discípulo dos sábios, alimentando-o, dando-lhe de beber e oferecendo-lhe os seus bens, realiza uma obra tão boa como se estivesse ofertando um sacrifício diário".
Contudo, em nenhuma parte consta que essas mulheres seguiam os doutores judeus em suas viagens. Jesus estava introduzindo, pois, uma inovação, e somente ele podia fazer isso numa questão tão delicada. Não podemos esquecer-nos de que, um ano antes, seus discípulos ficaram escandalizados ao vê-lo conversando em público com uma mulher (Jo 4.27). Mas eis que, com sua mão divina, Jesus conseguiu romper o estreito círculo no qual o Oriente havia encerrado as mulheres, (veja mais sobre Jesus e as mulheres, aqui:
JESUS E AS MULHERES) e expandiu sua atividade inteligente e seu generoso anelo de abnegação ao amplo campo das boas obras, que a Igreja cristã tão admiravelmente tem cultivado e, graças a elas, produzindo maravilhosos frutos, isso em todos os sentidos.
Quando os apóstolos, depois da ascensão do Mestre, empreenderam a evangelização do mundo, como Cristo lhes havia ordenado, imitaram o exemplo dele e, com frequência, fizeram-se acompanhar de pessoas piedosas, normalmente unidas a eles pelos laços familiares (1Co 9.5).
Paremos por um momento para que vejamos passar diante de nós a humilde caravana - tão grande aos olhos do céu -, cujos membros principais já nos são conhecidos. Jesus ia, no meio dos doze que o cercavam tanto de carinho como de veneração. Uns caminhavam à frente; outros, ao lado dele; e alguns, atrás, mas todos o mais perto possível que podiam, para não perderem sequer uma palavra de suas divinas lições. Normalmente, era Jesus quem falava, mas gentilmente lhes permitia que o interrompessem, e eles usavam amplamente deste privilégio. às vezes, o próprio Jesus é quem provoca perguntas aos discípulos.
À curta distância, iam algumas mulheres modestamente vestidas com seus véus, as mesmas de quem nos acaba de falar o terceiro evangelista. Levavam cestas com provisões e conversavam entre si a meia voz. As piedosas olhadas que de vez em quando dirigiam ao Salvador indicavam que ele era o verdadeiro alvo delas, que não eram muitas, pois seria inútil que viessem todas de uma só vez. Revezavam-se, pois, de tempo em tempo, na tarefa de servir a Jesus e os apóstolos.
No entanto, sobretudo, reparemos nosso Senhor. De estatura mediana, em seu rosto (belíssimo), ainda que sério, resplandecia uma beleza celestial. Não trazia a cabeça descoberta, como costumam pintá-lo os artistas, porque nem o costume nem o Sol do Oriente permitia isso. Ao contrário, cobria a cabeça com um sudário (o
keffyeh dos árabes), uma espécie de lenço preso debaixo da barba e pairando sobre o pescoço e as costas.
A veste principal de Jesus era uma túnica talar, que lhe cobria todo o corpo e que, para andar com mais comodidade, era puxada um pouco para cima por um cordão. Sobre esta túnica de cor apagada, ia o
tallith, o manto azul, cujas largas pregas permitiam entrever a túnica. Enfim, em seus pés, as sandálias que os deixavam praticamente descalços.